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Alguns entusiastas do cinema estão
sempre fazendo odes aos clássicos, e até munem certa raiva por quem não dá
a mínima, ou pelo menos não entende a linguagem sútil, embora às vezes
coercitiva, do cinema. Dizer que nunca assistiu Casa Blanca (1942), Jules e Jim
(1962), Ladrão de Bicicletas (1968), a inspiradora atuação de Chaplin em Tempos
Modernos (1936), ou os geniais filmes do Hitchcock, é quase um pecado mortal.
Óbvio que os exemplos de filmes que
dei são importantíssimos e tiveram uma contribuição para a história do cinema
aqui e alhures. Mas, será que a genialidade habita apenas os clássicos?
Por certo, à época da produção desses
filmes, a sociedade ainda era influenciada direta, ou indiretamente por fatos
como a Primeira Guerra Mundial da primeira década do século XX, na qual se viu
o poderio da alta tecnologia armamentista e que historicamente demonstrava as
garras crescentes do imperialismo europeu. O pano de fundo da Revolução Russa
também rendeu muito ao cinema, porém a Primeira e a Segunda Guerra –
principalmente a questão do Holocausto - significaram um reordenamento
político, econômico e geográfico do mundo.
Acontecimentos como esses até hoje são
vendáveis para o cinema. Se você acha que não, assista In Glorious Basterds
(2009) do Quentin Tarantino, ou o profundo e inesquecível A Vida é Bela (1997)
de Roberto Benigni. Filmes recentes, e que de uma maneira distinta retratam as
mazelas do Terceiro Reich.
Ainda assim, o cinema parece viver
hoje um clima nostálgico, principalmente o norte-americano. Filmes sobre
Abraham Lincoln, a corrida para o Oeste e o ambiente pós-guerra – conteúdo
comum dos Spaghetti Western da década de 60 - estão em alta recentemente,
talvez porque, hoje, historicamente nenhuma grande guerra como àquelas sirvam
de inspiração para as produções.
É exatamente na escassez desse tipo de
criatividade - reproduzir o fato, utilizar o lugar-comum histórico, brincar com
o empirismo e mascará-lo com tons teatrais - que se fez necessário, em momentos
distintos, no cinema, apelar para a ficção.
Agora, com licença, vamos ao que
interessa?
Lembremos, pois do primeiro filme do
cinema a utilizar efeitos especiais Voyage Dans la lune (1902), inspirado nos livros Da Terra à Lua de Júlio Verne e E os Primeiros Homens na Lua de H.G Wells. O filme foi
curiosamente pensado por um ex-mágico ilusionista Georges Méliès e o mérito da
produção não é apenas por seus pioneiros efeitos, mas em seu sentido atemporal,
pois reflete naquele momento a insatisfação do homem com as experiências
vividas na Terra. Era preciso alçar novos vôos: ir a Lua. Se a ida à Lua na
década de 70 foi, ou não verdadeira, isso não nos interessa agora, o fato é que
bem antes de tais acontecimentos, palpitava um desejo no coração dos homens de
extrapolar sua trajetória histórica, não por qualquer descontentamento, ou
pessimismo tão latente com a sociedade, mas pela necessidade do desnecessário,
ou seja pelo uso de uma lógica que transcendesse seu enquadramento histórico. Geoges explora isso de forma mágica e irônica, abusando dos sentidos e dos valores cristalizados a respeito das coisas. A Lua, por exemplo, tem o rosto de um ser-humano, sangra ao ser atingida pelo foguete e não é um planeta abiótico, mas habitado por alienígenas repugnantes e hostis.
A menção ao filme de Georges Mérliès é
justamente para utilizar a linguagem do cinema como um objeto propício de
análise patafísica. É a partir dos elementos fictícios enfatizados pela imagem
reproduzida nesta produção, que podemos vislumbrar a superação prática da metafísica,
enquanto ontologia do ser geral e material. O primeiro filme feito em 1895 pelos Lumiere tratava-se de um elemento comum, o símbolo da entediante repetição do cotidiano industrializado: um trem. Ora, os Lumiere nada mais fizeram que reproduzir o que historicamente lhes era conveniente, eram industriais. O interessante é que o cinema neste momento mostra um fato comum, geral. Diferente de Mérliès. A chegada na Lua significa mais do que a primeira adição de efeitos especiais. e a evolução técnica e científica em andamento, pois os tripulantes voltam à primeira frustração, são atacados pelos selenitas, os alienígenas. Trata-se de uma discussão da própria existência humana através da ficção.
A ficção eleva a níveis absurdos as discussões sobre o ser, a tal ponto de beirar com tal resignificação a sátira e a comédia, por consequência. O que no século XX chamou-se de Patafísica, ou "ciência das soluções imaginárias", inevitavelmente paira sobre esse tipo de interpretação. Foi outrora originada pelo dramaturgo francês Alfred Jerry em obras como Rei Ubu (1896), uma de suas mais famosas peças teatrais, e que potencializa as questões excêntricas e surreais que regem a vida abordando também, discussões como o abuso do poder e da autoridade da burguesia francesa, recorrendo para tanto, aos aspectos mais grotescos da existência humana, expondo Ubu - personagem principal - como um herói totalmente controverso estetica e moralmente: gordo, vulgar, feio, desonesto, covarde e cruel.
A ficção eleva a níveis absurdos as discussões sobre o ser, a tal ponto de beirar com tal resignificação a sátira e a comédia, por consequência. O que no século XX chamou-se de Patafísica, ou "ciência das soluções imaginárias", inevitavelmente paira sobre esse tipo de interpretação. Foi outrora originada pelo dramaturgo francês Alfred Jerry em obras como Rei Ubu (1896), uma de suas mais famosas peças teatrais, e que potencializa as questões excêntricas e surreais que regem a vida abordando também, discussões como o abuso do poder e da autoridade da burguesia francesa, recorrendo para tanto, aos aspectos mais grotescos da existência humana, expondo Ubu - personagem principal - como um herói totalmente controverso estetica e moralmente: gordo, vulgar, feio, desonesto, covarde e cruel.
A patafísica, neste caso em seu
lato senso, vai além de utilizar das excessões como elemento estético e
artístico. Há certa operacionalização crítica desta nova forma de concepção e
observação do mundo, uma vez que tal ciência considera insuficientes as
conclusões genéricas das quais a metafísica partilha. Sintetizando, há um sentido
organizado nos fenômenos excêntricos - singulares - a ponto de significarem
outra dimensão física, idealizada e para além dos postulados metafísicos, que
consideram o real como repetição da relação geral entre o ideal e o material,
não negando, porém sua importância, e sim, oferecendo a possibilidade lógica de
entender que tipo de deformações se estabelecem entre estes fatores. É claramente o vislumbre da crise da ciência moderna, em que os fenômenos apenas eram explicados de forma exata e metafísica. Os números seriam a linguagem que expulsaria a capacidade de negação de determinado ponto de vista e, em vez disso, se construiria um conhecimento não pleno, ao contrário. Em contrapartida, os cientistas preferiram sua exatidão, marginalizando todos os fenômenos que o cálculo não sabia explicar. Os epifenômenos.
A ficção e a comédia são uma espécie de epifenômeno e nasceram
dessa motivação. A necessidade de chocar o público, de caricaturar o real, e ao
mesmo tempo de criticar determinadas posturas, apelando para o absurdo,
ridículo, e impactante mundo excessivo que acaba nos presenteando com a
possibilidade de recriar a lógica oriunda da repetição de comportamentos.
As diferenças e semelhanças existentes
entre o filme de comédia e ficção Click (2006) e O Fausto (1808) servem como
objeto destes fenômenos.
Primeiro, porque o ator principal é
nada mais, nada menos que Adam Sandler, e considerando a data da produção, tudo
que se espera é um filme cômico, que exagera em ridicularizar seus personagens:
técnica infalível para fazer rir.
Segundo – e isso tem a ver com o
telespectador – porque criamos sempre expectativas em relação a um comediante,
expectativas baseadas em lógicas repetidas, dentro de um determinado contexto,
por sinal. Praticamente não conseguimos visualizar e identificar as qualidades
cênicas, profissionais e competentes em uma atuação cômica. Ora, fazer rir é um
dos segredos mais tenebrosos e singulares que existem! Ninguém consegue contar
a mesma piada duas vezes e obter o mesmo resultado. Não mesmo. Ainda mais, se a
piada não for sua. É algo circunstancial. Imagine, por exemplo, gravar algo que
se torna engraçado durante décadas. Deve haver algo de genial aí, não acha?
Pois bem, o filme Click consegue ser genial, unindo as duas faces da moeda: A
comédia e o drama, em doses certas.
Quantas vezes, você leitor, não
desejou simplesmente apagar, deletar, jogar no lixo certos momentos de
sua vida? Quantas vezes não pensou como em um passe de mágica evitar certas
situações, ou até mesmo repetir a dose de oportunidades únicas? Parece
formidável, mas como tudo nessa vida tem um preço, às vezes esse preço pode ser
alto demais, como diria um "beatle, beatnik e bitolado" cantor
brasileiro. E é exatamente sobre esse preço que quero vos falar.
Para inicio de conversa, farei um spoiler do filme - minhas sinceras desculpas para quem ainda não assistiu: Trata-se de um homem (Michael Newman) insatisfeito com sua vida corrida, quase sempre se atrasando para seus compromissos familiares. Decorre que, um dia enraivecido com a falta de eficácia com seus aparelhos eletrônicos, resolve comprar um controle universal para facilitar sua vida. É aí que, encontra um vendedor chamado Morty que lhe oferece um controle de tecnologia muito avançada. Ao testar o controle, ele percebe que pode avançar ou voltar no tempo, podendo modificar seu destino quantas vezes quiser. A partir daí, o filme mostra uma série de cenas engraçadas, mas isso não é tudo.
Para inicio de conversa, farei um spoiler do filme - minhas sinceras desculpas para quem ainda não assistiu: Trata-se de um homem (Michael Newman) insatisfeito com sua vida corrida, quase sempre se atrasando para seus compromissos familiares. Decorre que, um dia enraivecido com a falta de eficácia com seus aparelhos eletrônicos, resolve comprar um controle universal para facilitar sua vida. É aí que, encontra um vendedor chamado Morty que lhe oferece um controle de tecnologia muito avançada. Ao testar o controle, ele percebe que pode avançar ou voltar no tempo, podendo modificar seu destino quantas vezes quiser. A partir daí, o filme mostra uma série de cenas engraçadas, mas isso não é tudo.
O controle simplesmente avança
automaticamente no tempo, desviando de todos os momentos ruins que o
protagonista havia desejado não passar. Até que percebe estar perdendo sua vida
em vez de ganhando: é promovido na empresa, porém se vê em más condições de
saúde, obeso e envelhecido, até chegar ao ponto de perder seu pai. Uma das
cenas mais impactantes do filme é vê-lo tentar voltar ao instante que viu seu
pai pela última vez, e aos prantos o ouvindo dizer “eu te amo”, mas
desconsolado porque naquele exato momento do passado, ele não deu a mínima.
Tudo por causa de sua ambição e concentração exacerbadas no trabalho.
Aqui, pode-se pensar na discussão sobre a realidade e verdade. Do ponto de vista psicológico, a experiência lapida a racionalidade - há excessões, claro - daí o porquê do que é real para nós participar do concreto, de informações cristalizadas. Com base nestas informações, edificamos nossos pré-conceitos e chamamo-os de valores: eis a nossa verdade. Tudo aquilo que não participa do mundo concebido através do empirismo, então, chamamos de sonho, possibilidade, ou de forma pejorativa, quimera, utopia, fatores irracionais.
A relação próxima, quase íntima com a morte personificada em Morty, desperta a ideia de que é a morte, assim como nos contos kafkianos, a principal reorganizadora dos sentidos: das coisas, dos seres, de forma particular - como Heidegger expôs - mas também de forma abstrata, geral, e social.
A escolha de selecionar o momento que queria viver, para Michael, significava o escape que se tem na busca do eterno prazer, sim. Mas, também significou uma confusão nos sentidos de verdade e realidade. Ao passo que Michael avança, se torna mais frágil. Isso porque a experiência fora suprimida de sua realidade: não havia mais processo, apenas o fim. Suas verdades estavam todas estraçalhadas e não possuía estrutura o suficiente para suportar todos os desastres em sua realidade paralela. A morte do Pai foi uma delas.
Aqui, pode-se pensar na discussão sobre a realidade e verdade. Do ponto de vista psicológico, a experiência lapida a racionalidade - há excessões, claro - daí o porquê do que é real para nós participar do concreto, de informações cristalizadas. Com base nestas informações, edificamos nossos pré-conceitos e chamamo-os de valores: eis a nossa verdade. Tudo aquilo que não participa do mundo concebido através do empirismo, então, chamamos de sonho, possibilidade, ou de forma pejorativa, quimera, utopia, fatores irracionais.
A relação próxima, quase íntima com a morte personificada em Morty, desperta a ideia de que é a morte, assim como nos contos kafkianos, a principal reorganizadora dos sentidos: das coisas, dos seres, de forma particular - como Heidegger expôs - mas também de forma abstrata, geral, e social.
A escolha de selecionar o momento que queria viver, para Michael, significava o escape que se tem na busca do eterno prazer, sim. Mas, também significou uma confusão nos sentidos de verdade e realidade. Ao passo que Michael avança, se torna mais frágil. Isso porque a experiência fora suprimida de sua realidade: não havia mais processo, apenas o fim. Suas verdades estavam todas estraçalhadas e não possuía estrutura o suficiente para suportar todos os desastres em sua realidade paralela. A morte do Pai foi uma delas.
O emocionante diálogo entre o Michael
do passado possível e seu pai é precedido por um momento em que Michael está
diante de sua lápide e se vê na impossibilidade de voltar até o momento em que
seu pai morreu, segundo Morty seria devido a sua ausência naquele dado
instante. Michael escolhe ver o último momento em que o viu. Prefiro não
reproduzí-lo aqui, a carga emocional é mais plena ao assistir o filme. É uma
dica.
No entanto, não dá para deixar de
pensar na maior obra literária alemã já escrita sobre o folclórico Doutor
Fausto. A versão de O Fausto de Goethe representa em doses poéticas a história
tenebrosa do Doutor que vende a alma ao demônio Mefistófeles em troca de
fortuna, que não fora conseguida pelo avanço científico e sua busca pelo
conhecimento.
Fausto é a representação da
modernidade que avançava sem escrúpulos, e que se fosse preciso passaria por
cima de tudo e todos para permitir a evolução do capital e da técnica. Há um
interessante diálogo entre o roteiro de Click, e o poema. Aí vai um fragmento
de Fausto, no qual o demônio tenta persuadi-lo a vender a alma:
Fausto: Que me hás de dar tu, pobre diabo?
A mente humana e seu imenso anelo
Acaso compreender podem teus pares?
Manjares tens que não saciam, ouro,
Que nos corre das mãos, qual vivo
azougue,
Jogo a que se ganha? Tens mulheres
Que sobre o peito meu, com meigos
olhos,
A outrem se prometem? Tens da glória
O divino prazer vão meteoro
Que rápido se esvai? Mostra-me frutos
Que antes de colhidos corrompam
Plantas que nova folha vistam!
Mefistófeles: Não me aterra a incumbência, posso
dar-te
Também desses tesouros. Mas, amigo
O tempo ao fim lá chega em que somente
Algum prazer gozar em paz queremos.
Fausto: Se jamais repousar sossegado
Em leito de indolência, morra logo!
Se, com lisonjas tanto me iludires
Que chegue a estar comigo satisfeito
Se com deleites logras seduzir-me,
Seja o meu dia derradeiro!
A aposta ofereço!
Convencido de que Fausto trocaria sua
alma por riquezas e sucesso, o diabo requisita um horário adequado, pontual e a
assinatura de seu cliente, pois Mefistófeles é a representação do nascimento do
Estado moderno e burocrático, que já não possui em si elementos mágicos – a
honra, a confiança e o poder dado à palavra antes comum na Idade Média – mas,
sim a fé na escrita, nos documentos assinados, prova do acordo entre o
concessor e o contemplado. E claro, o “carimbo” para selar formalmente o
negócio. A metáfora do sangue e do licor demonstra a força do discurso
materialista que prossegue no trecho:
Mefistófeles: Topo!
[...]
Hoje mesmo ao jantar
Do Doutor farei serviço –
Há morrer e viver, porém, e peço,
Umas duas regrinhas assinadas.
Fausto: Escritura também queres, pedante?
A fé de homem honrado não conheces?
Não é bastante que a palavra dada
Para sempre me ligue em toda a vida?
Enquanto o mundo arrastam mil
torrentes
Terão promessas de prender-me?!
Mas é esta a ilusão que temos n’alma:
Quem ousará jamais soltar-se dela?
Ditoso o que no peito traz verdade;
Não lhe hão de pesar os sacrifícios!
Pergaminho, porém selado e escrito,
É fantasma que aterra os mais afoitos.
Já na pena a palavra morre, a cera
E o couro curtido então dominam. –
O que exige de mim, maligno espírito?
Papel ou pergaminho? Bronze ou
mármore?
Que escreva com cinzel, buril, ou
pena?
Deixo-te livre a escolha.
Mefistófeles: Por que hás
A tal ponto empalar tua facúndia?
Qualquer papel nos serve, se
assinares.
Com um pingo de sangue...
Fausto: No capricho
Consinto, se com ele te contentas.
Mefistófeles: É o sangue um licor
especialíssimo.
[...]
Michael Newman dentro desse
diálogo seria uma espécie de “Fausto inconsciente”, pois desconhece os planos
diabólicos de Morty, que é o próprio Anjo da Morte, e que se enquadra na figura
de Mefistófeles. O ser maligno tanto em um, quanto no outro, está sempre
negociando com eloquência, persuadindo sua vítima em troca de algo.
A lição de moral é uma constante nos
filmes nos quais Adam Sandler atua. Click não é diferente. Aprender o valor das
pessoas, tomar cuidado com o livre-arbítrio... São alguns temas que se seguem.
Michael teve outra chance ainda em vida de se reestabelecer e mudar seus
hábitos. O fim de Fausto não é tão diferente, por haver perdido apenas uma
parte da aposta com o diabo, o Doutor inconsequente tem a sua alma levada para
o Paraíso por anjos. Mas, como fizera um pacto, nunca mais tornaria a vida. Daí
se segue um embate entre Mefistófeles que reclama contra os céus a alma de
Fausto:
Mefistófeles: (caindo em si).
Que é isto?! - Eu feito Jó, chagas e
chaga,
Homem que, de si próprio horror
sentindo,
Triunfa ao mesmo tempo, quando se olha
Todo e em sua raça e em se confia:
Salvas estão do demo as partes nobres,
O feitiço de amor sai todo à pele!
Eis as chamas nefandas consumidas;
Posso, como é dever, maldizer todos!
Coro dos Anjos: Quem de vós tocado,
Santo fogo ardente,
Aos santos ligado
Ditoso se sente,
Cantemos em coro
Da vitória a palma!
O ar está puro:
Respire esta alma!
Embora façam parte de linguagens
diferentes, os aspectos dramáticos de um e de outro criticam determinada
postura social, potencializam ao máximo o imaginário, a ponto de espantar o
público de determinada época, ou épocas distintas. Vender a alma ao diabo, é a
solução desesperada de alguém insatisfeito com a limitada felicidade humana, e
ao mesmo tempo uma maneira de viver sempre as mesmas frustrações, haja vista há
um alto preço envolvido na troca: a servidão nas regiões infernais.
Poder se esquivar do destino, e
controlá-lo, é se colocar no lugar de Criador e regente da própria vida, mas
também de pagar o preço por interferir nos rumos históricos de muitas pessoas,
neste caso opta-se pelo controle remoto, um dos símbolos do ócio criado na
sociedade de consumo, e que oferece uma maneira rápida e eficaz de se obter
novas sensações com apenas um aperto de botão. Em ambos predominam personagens
inconsequentes, arquétipos dramáticos e sátiros de determinadas sociedades: uma
moderna, em ritmo frenético de trabalho e evolução tecno-científica,e outra
pós-moderna, sedenta por bens de capital.
É verdade que críticas sempre
existiram sobre tais contextos, mas a forma de operacionalizar tais críticas,
assume um aspecto absurdo, único, excepcional nesta análise patafísica das obras.
"Trocando em miúdos", é uma maneira radical de tratar de elementos
negligenciados pela meta physis, pois esta em uma perspectiva social, se
preocuparia com a realidade do indivíduo somente a partir do todo que o
engloba, fora disso, o indivíduo, o particular, não é interessante. Seria,
pois, blasfêmia nesse tipo de consideração creditar os rumos da história a
fatores que transcendem o ser enquanto ser e aceitam, em vez disso, sua
imprevisibilidade.
Se faz ou, não sentido o diálogo entre
O Fausto e Click, isso dependeria de um consenso geral, pois se assim não
fosse, tal comparação seria completamente nonsense. Porém, para além do
consenso, existe a experiência individual da leitura e as várias nuances
criativas que esta suscita, um sentido paralelo e marginalizado, único,
singularíssimo de percepção. São dessas pequenas antilhas que se preocupa a
patafísica e em torno das quais ainda se gerarão muitas discussões.